sábado, 28 de agosto de 2010

Cachimbando formiga

Escreveu-me um leitor de Santa Catarina: "Na minha infância, quando minha avó queria que eu deixasse de aborrecê-la, usava a seguinte expressão: 'Menino, vai cachimbar formiga.' Nunca vi tal expressão em nenhum escritor ou dicionário.Terá sido um neologismo da minha avó?"

Sua avó empregava uma frase popular que tem o mesmo sentido de outras como "vai pentear macaco", "vai dar rasteira em sapo", "vai lamber sabão com açúcar", "vai ver se eu estou na esquina", "vai chupar parafuso para ver se vira prego" ou "vai plantar batata no asfalto para ver se cresce".

É difícil conhecer a origem concreta dessas frases. Nasceram na prática oral do povo. Em todos os exemplos acima, o sentido é o mesmo. Para me ver livre de alguém, eu o mando fazer qualquer coisa, por inútil e absurda que seja, contanto que o faça bem longe de mim.


No caso específico do "cachimbar formiga", trata-se de ficar fumando cachimbo e jogando fumaça em direção das formigas, ou para o chão. Tarefa sem finalidade útil, mera distração.
Há uma conotação para "cachimbar": "ficar concentrado", "matutar", "meditar" (enquanto se fuma um cachimbo). Neste contexto, "cachimbar formiga" pode ter a ver com outra expressão
muito comum: "pensar na morte
da bezerra"...

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Pedágio e pé na estrada

Uma leitora deste blog quer saber a origem da palavra "pedágio".

No latim medieval, *pedaticum designava o "direito a colocar o pé", um direito pelo qual tinha de se pagar. Andando pela história, a palavra tornou-se pedaggio (italiano), pedatge (provençal) e péage (francês). O pedágio era cobrado sobre pessoas, animais ou mercadorias quando se precisava passar por determinada ponte, estrada ou porto.

Havia na antiguidade várias taxas específicas: saumaticum (sobre o transporte de mercadorias em animais de carga, em referência ao latim sagma, "albarda"), portaticum (taxa portuária), pontaticum (cobrada para atravessar uma ponte) e rotaticum (taxa sobre mercadorias transportadas em veículos de rodas).


A palavra "pedágio" remete ao latim pes, "pé". Em português, temos "peagem", registrada pelo dicionário mas fora de uso. O sentido primitivo foi esquecido e hoje a cobrança de pedágio é feita apenas sobre veículos motorizados. A rigor, deveríamos então falar em "motorágio"?

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Pior que tá não fica

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Tiririca é um palhaço que se lança, nestas eleições, como candidato a deputado federal. Seu nome vem do tupi tiri'rika, de tiri'ri, "arrastar-se", "alastrar-se". Trata-se de terrível erva daninha que cresce velozmente.

Aludindo aos danos irritantes que a erva tiririca causa às culturas, temos a expressão "ficar tiririca", isto é, "ficar furioso".

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Há quem se jacte de rejeitar conjecturas...

"Li aqui que 'rejeição', 'jactância' e 'conjectura' provêm de jacere. Poderia explicitar ainda mais a relação? Nós, leitores, agradecemos. Vida longa ao blog!", Marcos (RJ).

Obrigado, Marcos!

Do latim rejectio, vem "rejeição", ação de "jogar" (jacere) fora. Mas não é um jogar qualquer. Por força do prefixo re, trata-se de jogar para trás, com desprezo.

Quando uma pessoa se jacta é porque ela própria se "lança" (de novo jacere) à frente dos outros. E o faz lançando palavras de autoelogio.

Fazer conjecturas é partir de evidências parciais, de alguns pressentimentos, e "arremessar" (jacere) numa discussão duas ou mais ideias como prováveis. É um pensar que suspeita e presume. A palavra vem do latim conjectura, em que está embutida, em virtude da preposição cum, a ação de "jogar duas coisas juntamente".

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O assunto da assunção

Recebi a seguinte mensagem: "Caro Gabriel, por acaso o 'assunto' de uma mensagem está relacionado a 'assunção'? Fui assolado pela dúvida ao ouvir sobre a Assunção de Nossa Senhora, quando se mencionou o fato de ela ter sido 'assunta' aos céus. Saudações, Evandro."

Meu caro Evandro, tudo bem? Sua intuição está correta.

Assunção da Virgem Maria
de Bartolomé Murillo (séc. XVII)
A palavra "assunção" provém do latim assumptio, "recebimento". No caso da devoção católica, indica que Maria é recebida no céu, elevada ao âmbito divino, plenamente assumida pela Santíssima Trindade. Tem a ver com o verbo latino assumere (ad + sumere), "tomar para si", "assumir".

No século XVI, o significado retórico se torna patente. O assunto (do latim assumptus, igualmente ligado ao assumere) é a matéria assumida por aquele que irá se manifestar, é a questão à qual se dará atenção especial.

domingo, 22 de agosto de 2010

O que há de substantivo em cada nome?

Um leitor deste blog escreveu: "Professor, de onde vem 'nome'? Poderia comentar ainda sobre a origem de 'substantivo'? Grato!"

O termo latino nomen era a palavra com que se podia designar uma pessoa ou coisa. A noção de reputação é antiga, mas só se firmou no século XIII. Já a ideia de que alguém tem nome porque é conhecido está registrada em contextos modernos, no início do século XX.

A palavra "substantivo" nos leva ao latim substantivus — remetendo ao que há de substancial e real em algo. O substantivo como categoria gramatical é contribuição dos franceses no século XIV. Antes disso, a palavra frequentava tratados metafísicos. Concretamente, substantia (sub, "sob", "no fundo de" + stare "estar", "ser") traduzia o termo grego hypostasis. Por substantia entendia-se uma entidade individual existente.

sábado, 21 de agosto de 2010

Vila Nhocuné, parece tupi... mas não é

Elis Marchioni, ao ler uma postagem deste blog, perguntou: "Olá, professor! A Vila Talarico fica pertinho da Vila Nhocuné. Este nome não parece ser de origem tupi? O que acha?"

Parece mesmo, Elis, mas não é. No século XIX, o Coronel Christalino Luiz da Silva Liberato Augusto de Azevedo era proprietário de uma grande fazenda de café. Essas terras, na região leste da cidade de São Paulo, foram sendo retalhadas até que, na década de 1930, o que era uma chácara transformou-se no bairro conhecido como Vila Nhocuné.

Essa palavra nasceu na boca dos escravos do "Senhor Coronel". Chamavam-no de "Sinhô Coroné" ou de "Nhô Coroné". Com o tempo, à força do uso: "Nhocuné".

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O lado bom da agressividade

Meu amigo Pedro Paulo Monteiro, pensador e escritor, me perguntou pelo Twitter qual a origem da palavra agressividade.

No latim, o verbo aggredi se enquadra num contexto de ação e movimento. O agressor é quem avança em direção a algo ou a alguém, com firme determinação. Poderia fazê-lo com ânimo hostil ou amigável, para atacar ou simplesmente para falar.

Havia o sentido de "pôr mãos à obra". O agressor, neste caso, usaria toda sua força, não com a finalidade de destruir, mas para empreender.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Achados e perdidos

Maria Lídia, leitora deste blog, gostaria de saber o porquê da expressão "achados e perdidos", ponderando que os perdidos não deveriam estar junto dos achados...

"Achar" provém do latim afflare, "soprar", "farejar", no contexto original dos caçadores que, pelo odor, iam em busca da caça. E "perder" também remete ao latim, ao verbo perdere, "dissipar", "destruir".

Uma seção de Achados e Perdidos no metrô, no aeroporto ou num prédio pode chamar a atenção de quem busca uma lógica: por que os perdidos estão ao lado dos achados? Bastaria criar uma seção de Objetos Perdidos, ou coisa parecida.

Outra pergunta: por que os perdidos vêm depois dos achados? Em inglês, a ordem é inversa. Fala-se nos EUA e Inglaterra num serviço de Lost & Found, pois primeiro a pessoa perde e depois tem de caçar até achar o que perdeu. Em Portugal, usa-se a ordem do inglês, Perdidos e Achados. Na França, há o Service des Objets Trouvés, com ênfase nos objetos encontrados, que certamente foram encontrados porque estavam perdidos...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

É pique! É pique! É hora! É hora! É hora! Rá-tim-bum!!!

Um leitor escreve:

"Sou um apaixonado por etimologia... e seu blog é, para mim, um grande achado... Qual a origem de 'rá-tim-bum'?"

Meu caro, "rá-ti-bum" parece reproduzir o som de instrumentos musicais em momentos festivos, em especial nas apresentações circenses. O "" seria da caixa, os pratos fariam o "tim", e o bumbo, o "bum". Foi incorporado às festas de aniversário como complemento ao "Parabéns pra você", depois de um animado "É pique! É pique! É hora! É hora! É hora!"

Há uma outra explicação, que inclui esse bordão "é pique, é pique, é hora, é hora". Tudo isso viria do ambiente estudantil da Faculdade de Direito do largo de São Francisco, em São Paulo.

Naquele tempo, na década de 1930, "é pique, é pique" teria sido uma saudação jocosa ao estudante Ubirajara Martins, conhecido pelo apelido de "pique-pique", porque vivia aparando barba e bigode com uma tesourinha. O "é hora, é hora" teria sido um grito de guerra de botequim, criado pelos estudantes para pedir uma nova rodada de cerveja, depois de transcorrido o tempo suficiente para que a bebida gelasse em contato com as barras de gelo.

O "rá-tim-bum" (explicação meio bizarra...) teria sido uma referência a um certo rajá indiano chamado Timbum (ou coisa que o valha). O rajá, em visita à faculdade, virou motivo de outra brincadeira de botequim. Os alunos de Direito, lá reunidos, comemoravam fosse o que fosse gritando — "É pique-pique, pique-pique, é hora, é hora, é hora... rajá... tim... bum!".

Essa história um tanto mirabolante está documentada, porém, no Suplemento da prestigiosa Revista Pesquisa FAPESP n. 102, de agosto de 2004 (págs., 57-8), na matéria "O Brasil que as Arcadas vislumbraram", assinada por Fabrício Marques.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O luxo da luxúria

Um leitor deste blog quer saber a origem da palavra "luxúria", e outro, a da palavra "luxo".

A primeira vem do latim luxurìa, "superabundância",
"excesso", em conexão com o adjetivo luxus ("deslocado", "fora do normal", e no caso de "luxo" trata-se de um excesso de dinheiro, de bens materiais). Para que um mouse de diamante?

É possível que haja em ambos os casos uma relação com o verbo luctari, no contexto dos esportes violentos da antiguidade em que se tem a intenção de deslocar os membros do adversário. E o luxurioso, concretamente, vai longe demais e não se importa em destruir o outro.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Jatos, jeitos e trajetos

Marcos, leitor deste blog, perguntou-me qual o parentesco etimológico entre as palavras "jato", "projeto", "projétil", "ejetar", "injetar",
"ejacular", "dejeto", "adjetivo", "sujeito", "objeto" e "trajetória".

De fato, todas essas palavras se unem em torno do verbo latino jacere, "lançar", "arremessar", "enviar".

O jato é o movimento do que é lançado, e temos outra palavra muito próxima, "jeito", associada às ideias de destreza, habilidade.

Aquilo que se lança para a frente é projetado. Tanto o projétil como os nossos projetos vão à frente. Atua aí a preposição latina pro, "diante de".

Ejetar é — agora com a preposição ex, "tirado de" — lançar para fora. Ejacular vai na mesma linha, emitir, lançar com força. Já o adjetivo é o que foi lançado ao lado, é o que está próximo, é o que foi acrescentado, em razão da preposição latina ad.

Graças à preposição in, lança-se sobre, ou para dentro, quando algo é injetado. Agora, quando dejetamos algo é porque lançamos para baixo, por terra — ver a preposição de.

O sujeito — do latim subjectus — é o que está "situado abaixo", foi sujeitado ou está submetido a exame, e por isso em inglês subject é "tema", "assunto", "matéria".

Do latim objectus, veio o objeto, algo que está na nossa frente, e tem jeito de obstáculo muitas vezes. A objeção é algo que interrompe nossa trajetória, nosso caminhar em direção ao mais além, ao trans...

E não só essas palavras estão ligadas ao jacere: também "conjectura", "interjeição", "rejeição", "jazer", "jactância", etc.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O recheio da farsa

Estive no simpático programa de Gilmar Lopes, E-farsas.com, para conversar sobre etimologia.

E a palavra "farsa", que recebemos do francês farse, termo precedido por *farsa, do latim popular, remete ao ato de contar uma pequena história. Retrocedendo um pouco mais, chegamos ao verbo do latim clássico farcire, "rechear", "preencher", "engordar".

Quando inventamos uma história (uma farsa...), recheamos o tempo, no teatro ou na vida (e a vida não deixa de ser uma peça teatral).

A entrevista está aqui, na íntegra:

sábado, 7 de agosto de 2010

Do telhado ao corpo humano

Perguntou um dos leitores deste blog: "de onde vem a palavra "telhado"?

O telhado remete a "telhas", peças de barro cozido ou de outro material utilizadas para cobrir moradias. A palavra provém do latim tegula, "o que serve para cobrir", em conexão com o verbo tegere, "esconder", "cobrir". Uma frase latina: "tegere lumina somno", ou seja: "fechar os olhos para dormir".

"Proteger" também provém de tegere. O telhado é o que cobre e protege os moradores de uma casa. A palavra "teto" pertence à mesma família. Tudo indica que "tijolo" também.

Saindo do campo das construções, para o da anatomia humana, o verbo latino tegere está na origem de "tegumento", o conjunto constituído de pele, pelos, cabelos e unhas, que cobrem e protegem o corpo humano e são, por assim dizer, o nosso telhado natural.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Ordem na informática!

Em comentário à postagem de ontem, Tauan perguntou sobre a origem da palavra francesa para computador, ordinateur.

Vale lembrar que em Portugal o computador também se chama ordenador. (No Brasil, preferimos nos alinhar com o computer, em inglês.) E ordenador remete ao latim ordinator, "aquele que põe por ordem", "aquele que arruma". Seria um computador, sob esse ponto de vista, um "arrumador" de dados e informações.
A palavra latina ordo, que está na raiz do termo "ordenador", referia-se, originariamente, à arte de tecer, de dispor os fios para a criação de uma "ordem". A teia de aranha é um todo ordenado.

O ordenador é também aquele que dá ordens ao usuário? Fica a pergunta...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Computa, computador!

Um leitor deste blog pergunta de onde vem a palavra "computador".

Nas entranhas da palavra vive o antigo e respeitável verbo latino putare: "contar",
"calcular", "verificar", "avaliar",
"pensar"... O computador tem como função acelerar processos que os seres humanos já realizam.

O "com" de "computador" remete à preposição latina cum, indicando que o computador computa várias coisas "ao mesmo tempo". Extrapolando um pouco (só extrapola quem pensa mais do que o computador), poderíamos dizer que esta máquina computa com alguém, em companhia de alguém, com o seu próprio criador.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma palavra da breca

Um leitor deste blog perguntou sobre a expressão "levar a breca", no sentido de "ir mal", quando alguma coisa não dá certo, lembrando também o "levado da breca".

A palavra "breca" surge em várias expressões.

Por exemplo, na interjeição de espanto "com a breca!", equivalendo a "com os diabos!". Também se diz "aquele menino é levado da breca", porque é travesso, comporta-se mal, é um endiabrado. A expressão "da breca" indica que algo é incômodo, ou excessivo, e se equipara ao adjetivo "danado", que tem a ver com a danação, a condenação eterna.

Não há registros sobre a origem etimológica de "breca", mas tudo indica que tem parte com o infernal...

Uma curiosidade: o tema de abertura do Programa do Chacrinha chamava o apresentador de "menino levado da breca".