quarta-feira, 30 de março de 2011

A corajosa teimosice de um vice

Assistimos à despedida de José Alencar, ex-vice-presidente do Brasil. Sua corajosa teimosice.
A etimologia poderá lhe prestar uma singela homenagem, revelando-nos de onde vem o substantivo "vice". Provém do latim vice, ablativo de um desusado vix, vinculado a noções como "alternativa" e "mudança". A palavra "vicissitude" tem a mesma origem. Indica que na vida há muitas alterações, altos e baixos. Uma coisa que vem no lugar de outra, inesperadamente, quebrando nossas expectativas.

O vice-presidente é a alternativa para os momentos em que o presidente não pode estar presente. Tem parentesco com "vigário", padre que faz as vezes do prelado, ou que substitui o pároco.

O vice acabou se tornando aquele que ocupa o segundo lugar. O vice-campeão está em segundo lugar. O vice-diretor está um pouco abaixo do diretor, na hierarquia de uma empresa, mas atua como diretor na ausência de quem ocupa o cargo principal.

José Alencar atuou como vice-Lula entre 2002 e 2010 — uma aliança entre empresário e operário que tornou possível ao PT governar o país durante aqueles 8 anos.

domingo, 27 de março de 2011

O que agrega a egrégora?

Recebi a seguinte mensagem: "Olá, gostaria muito de saber o significado etimológico da palavra EGRÉGORA, bem como, saber se a sua origem tem algo em comum com as palavras CONGREGAR e AGREGAR. Obrigado!" (Charles, Teresópolis-RJ).

Prezado Charles, a palavra "egrégora" — "força espiritual resultante da soma das energias (físicas, mentais, emocionais etc.) de duas ou mais pessoas que se reúnem para obter esse efeito", segundo o iDicionário Aulete — pertence ao mundo do esoterismo.

Éliphas Lévi, pseudônimo do ocultista Alphonse Louis Constant (1810-1875), utilizava essa palavra. No seu livro Histoire de la magie define as egrégoras como entidades que capitaneiam as almas, são seres terríveis e destruidores. Não há registros etimológicos para esse termo. Talvez Éliphas Lévi, que estudou filologia, tenha se inspirado na palavra grega ἐγρήγορος ("vigilante", "desperto").

Numa interpretação moderna, seres simbólicos como o Papai Noel ou o Tio Sam poderiam ser interpretados como egrégoras.

Não há a menor possibilidade de uma relação entre "egrégora" e os verbos "agregar" e "congregar". Estes dois estão ligados ao latim grex, "grupo de animais ou indivíduos da mesma espécie", em conexão com outras palavras como "gregário", "segregado", "agremiação" e "egrégio".

sexta-feira, 18 de março de 2011

Tsunami ou maremoto?

Conversando hoje em família, surgiu a dúvida: há diferença entre tsunami e maremoto? À primeira vista, o segundo foi substituído pelo primeiro na última década. Um e outro são o mesmo fenômeno?

Do ponto de vista etimológico, conforme percebeu o escritor Evaristo Eduardo de Miranda, no seu livro Animais interiores, nadadores e rastejantes (Loyola, 2004), há um certo paradoxo na formação da palavra japonesa. Se tsu é "porto" e nami significa "ondas", ou seja, "ondas de porto", cabe perguntar: as ondas se ancoram ao porto ou é o porto a se ancorar nas ondas?

O termo "maremoto", por analogia a "terremoto" (temos também "aeromoto", ares agitados, e "lunamoto", quando há abalo sísmico na lua), designa o mar em agitação: o elemento -moto (do latim motus) indica esse movimento. O maremoto é causado por um sismo no fundo do mar.

Alguns autores explicam que um tsunami, a onda gigantesca, em geral provém de um maremoto.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Diferentes tabletes

O tablet está na moda. É uma espécie de prancheta eletrônica, ou bloco de papel sem papel. O iPad de Steve Jobs é o tablet mais cobiçado. Poderíamos traduzir tablet por tabuinha? Ou por tablete mesmo?
A palavra remete ao antigo francês tablete (século XIII), diminutivo de table, "mesa", que por sua vez procede do latim tabula — "prancha", "ripa", "tabuinha" (onde se escrevia). Tablete pode ser uma barra de chocolate, por lembrar uma pequena tábua. Aliás, a palavra "tabela" está nos rondando aqui também.

Pode ser o comprimido (remédio) porque foi achatado, literalmente comprimido. Já se registrava esse uso no século XVI. E não só para pequenas peças de remédios, mas também de sabão e alimentos.

No final do século XIX, um laboratório farmacêutico britânico designou com a palavra tabloid um dos seus medicamentos compactos. E a palavra serviu no início do século seguinte para, por exemplo, pílulas de chá. Os soldados ingleses levavam esse chá comprimido, dentro de latinhas, durante a Primeira Guerra Mundial (a hora do chá é sagrada...).

tabloid se chamou o jornal em tamanho menor do que o habitual. O primeiro deles foi o New York Daily News, em 1919.

Olhando para o passado, podemos ver o pai do iPad ... um iPedra, em formato arrojado e com grande impacto entre seus usuários...

domingo, 13 de março de 2011

Mais etimologia na livraria

Nesta semana, mais etimologia na livraria, com o lançamento de um novo livro do Prof. Mário Viaro sobre o tema inesgotável.

Anote aí: dia 16 de março, quarta-feira, na Loja de Artes da Livraria Cultura, no Cj. Nacional, Av. Paulista, 2073. A partir das 18h30.

sábado, 5 de março de 2011

Carnaval: quanto vale e o que leva...

Os dias anteriores à Quarta-feira de Cinzas eram (ideia não de todo descartada) período de despedida da carne. Daí porque a etimologia popular diga que no latim medieval havia a expressão carne vale: "adeus, carne!" A "terça-feira gorda" alude ao iminente início de um tempo de jejum e abstinência.

Seria o caso de perguntar quanto vale o carnaval. Ou quanto pesa... Ou o que nos leva a pensar e fazer.

A palavra "carnaval" guarda em si um fato religioso e uma experiência cultural. O papa Gregório Magno, em 590, transferiu o início da Quaresma para quarta-feira, e denominou o domingo imediatamente anterior como dominica ad carne levandas, o domingo a partir do qual se suprimiria o consumo de carne.

A expressão popularizou-se e se difundiu. No milanês, como carnelevale. Antes, no baixo-latim, carnelevamen. Graças a um pouco de tolerância, o adeus à carne passou do domingo para a terça. De qualquer forma, a carne deve ser levada para longe do fiel antes que comece a Quaresma. Etimologicamente falando, o único dia de carnaval deveria ser a terça-feira...

terça-feira, 1 de março de 2011

Ditadura não é mole...

O comportamento ditatorial se revela em vários âmbitos da vida humana. Mais notoriamente na vida política, mas também nas relações de trabalho, sociais, afetivas, familiares etc.

"Ditadura", no sentido de poder absoluto ou autoritário (e por vezes vitalício), é palavra do final do século XVI. Na antiguidade romana, um ditador era o magistrado ou o general que recebia, com a aprovação do Senado, prerrogativas especiais ou, em casos graves, poder total.

Sua função, passando por cima das leis se fosse necessário, consistia em resolver problemas urgentes, que pusessem em risco a estabilidade da república.

Não era para sempre, porém. Uma ditatura tinha duração limitada, no máximo seis meses. Era um mandato, portanto. Não se tratava de um apegamento ao poder de um indivíduo, coisa ridícula, afinal, como demonstrou Charlie Chaplin num de seus filmes mais famosos.

A palavra "ditadura" deriva do verbo latino dicere ("dizer"), e indicava a dignidade da autoridade cujas palavras e sentenças possuíam força de lei.