segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Por gentileza!

Natal é uma festa a ser comemorada em clima de alegria familiar. Essa alegria deve irradiar-se e produzir gestos de fraternidade e gentileza.

No latim, gentilis era quem pertencia à mesma família ou clã. Podemos supor que entre pessoas unidas pelos laços do sangue é bem-visto que todos se tratem com respeito, com gentileza. Hoje, ser gentil é tratar todo mundo como gente.

No inglês, a palavra gentleman (que surgiu no século XIII) conserva a ideia de alguém cuja conduta se caracteriza pela boa educação, pelas palavras adequadas, pelas virtudes da convivência, pelos modos cavalheirescos.

No antigo francês, gentil significava "bem-nascido", alguém de família nobre (o que nem sempre significava ser gente fina, mas enfim...).

Voltando ao latim, gens, que designava o conjunto daqueles que possuíam origem comum, recebeu o sentido ampliado de "povo", "nação", "país". Daí a palavra "gentios", indicando os povos estrangeiros, os não civilizados do ponto de vista romano. Mais tarde, na concepção judaico-cristã, "gentios" serão os pagãos.

sábado, 21 de dezembro de 2013

O nascimento do Natal

O Natal é a comemoração do nascimento de Jesus Cristo, mas o dia 25 de dezembro não é a data histórica de sua vinda ao mundo. Aliás, não há indicações bíblicas a respeito. Foi a antiga tradição cristã que estabeleceu esse dia, reinterpretando a festa pagã em homenagem ao deus-sol.

No dia 25 de dezembro, comemorava-se o dies natalis Solis Invicti, isto é, o "dia do nascimento do Sol Invicto". Este Natal pagão radicava-se numa percepção meteorológica e astrológica. No dia 24 de dezembro, no hemisfério norte, os povos tinham consciência de que estavam vivendo o solstício do inverno: o dia do ano em que menos luz solar chegava à Terra.

Mas o dia mais escuro e frio é também o início de uma nova etapa. No dia seguinte, dia 25, o sol começava a voltar de sua descida mais profunda. O deus-sol renascia e vinha ao encontro de seus adoradores.

Para os cristãos, o verdadeiro Natal era o nascimento de Jesus, a luz do Alto que veio afastar as trevas do medo, aquecer nossos corações, revitalizar a esperança, salvar o mundo. A festa pagã foi sendo cristianizada. Ao ver que o hábito se impunha, o papa Libério, no ano de 354, determinou que em toda a Cristandade, no dia 25 de dezembro, seria celebrado o dies natalis Domini, o dia do nascimento do Senhor.

Ao contrário da Páscoa, que acontece em datas móveis a cada ano, o Natal é comemorado sempre no dia 25 de dezembro, mesmo no hemisfério sul, quando se está vivendo o solstício de verão. Ao contrário do que acontece no hemisfério norte, nós temos dias mais longos, mais iluminados, e nossas noites são mais curtas neste tempo de Natal.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Quem dá mais?

A ideia do leilão é antiga. Entre os latinos, a auctio consistia em ir a público vender um bem, à espera de quem oferecesse o maior lance. A palavra latina remete ao verbo augere ("acrescentar", "ampliar"). No inglês, temos a expressão auction off, "leiloar".

Já o nosso termo "leilão" procede, não do latim, mas do árabe vulgar al-alám, com os significados de "estandarte", "tabuleta" e "aviso". Colocava-se em local público e visível uma pequena bandeira vermelha, por exemplo, como convite para participação no leilão. O leilão precisa ser anunciado em alto e bom som para que todos tenham alguma chance de adquirir o que foi colocado à venda.

Em francês, a palavra para leilão é enchère. Nasceu no latim tardio incariare, formado pela partícula in e por carus, "caro". Aquilo que está em leilão é algo que vai sair caro para quem o deseja adquirir. Em espanhol, leiloar é subastar. Vem do latim subhastare, "vender em hasta pública".

sábado, 2 de novembro de 2013

O silêncio do cemitério

Há uma diferença, do ponto de vista etimológico, entre necrópole e cemitério.

Ambas são palavras que vêm do grego, mas com inspirações contrárias. Necrópole é a "cidade dos mortos", de nekrós ("morto", "cadáver"), pólis ("cidade"). A Necrópole de Gizé, no Egito, é um dos maiores exemplos da antiga arquitetura a serviço de um projeto post-mortem.

Para esta cidade se dirigiam o rei-defunto, a rainha e os sacerdotes do reino. A morte é uma viagem sem volta, e o faraó se preparava para essa jornada com imensa preocupação. Após a morte, deveria continuar reinando, mas agora sobre os demais mortos.

 
Já o cemitério possui uma outra conotação. O elemento "-tério" é um pospositivo do grego que se refere ao local onde se realiza o que é expresso pelo antepositivo. O monastério é o lugar onde ficam os monges. O presbitério é o lugar onde ficam os anciãos (os presbíteros). E o cemitério é o lugar onde as pessoas dormem, porque o antepositivo do grego koimétêrion ("lugar para dormir") é o verbo koiman ("dormir").

A palavra começou a ser usada pelos primeiros cristãos, que viam na morte um momento de descanso. Os mortos vão dormir, na esperança de saírem do túmulo. Preparam-se para acordar, tal como Jesus ressuscitado. O cemitério é lugar passageiro, silencioso, um dormitório para uma noite mais ou menos longa: o novo dia está por vir.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Notícias de Cuba

Sierra Maestra

A ilha de Cuba recebeu de Cristóvão Colombo, em 1492, um primeiro nome, Juana, em homenagem a Juana de Castilla, filha dos reis católicos, também conhecida como Juana la Loca. Mas o nome não "pegou".


Mais tarde, outro nome, Fernandinaapareceu em alguns mapas, sem maior repercussão. Santiago foi outra tentativa que não deu certo. Impôs-se o nome nativo, Cuba, derivado possivelmente de Ciba, do idioma taino (hoje extinto), com o significado de "montanha" ou "cheio de pedras", em referência à Sierra Maestra, como a conhecemos atualmente.


Outra hipótese é que, também no taino, havia as palavras Cubanacan ("lugar grande") e Cubagua ("lugar onde existe ouro"), e de uma delas teria vindo Cuba.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O obeso era magro

A palavra "obeso" vem do latim obesus, que significava "devorado", "comido", proveniente do verbo obedere ("comer demais"). Chamar alguém de obeso era dizer que estava muito magro, como se tivesse sido devorado por dentro (pela doença, por exemplo). 

Talvez tenha sido a ironia o que levou a palavra a significar o seu contrário. Nesta hipótese, a prática brincalhona de chamar o magro, isto é, o obeso, de gordo ("e aí, você está gordinho, hein?") levou a essa mudança de sentido. Estaríamos diante de um exemplo típico do que dizia Goethe: "toda palavra desperta o seu antônimo".

O processo em que o termo "obeso" passa a indicar quem tem obesidade pode ser comparado ao de outras palavras: "viajado", em lugar de "viajante", é quem viajou muito; "lido", em lugar de "leitor", é aquele que já leu muito.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Dando um tempo

Perguntaram-me recentemente a origem da palavra "tempo", e pedi um tempo para poder responder...

A palavra vem do latim tempus, que por sua vez deriva do grego témno, "cortar em pedaços", "dividir". Daí, por exemplo, a palavra "tomo" ("divisão editorial de uma obra") e "átomo" ("aquilo que não pode ser cortado", "indivisível").

O tempo é um corte. Por isso pensamos em minutos, horas, dias, meses e anos, "pedaços" de um fluxo que não cessa. São cortes com os quais procuramos nos posicionar e não perder tempo. Todo tempo é uma época, um período, um momento.

O temporal assim se chama porque dura apenas um tempo. E o templo (templum, em latim) é diminutivo de tempustempo: um pequeno espaço que "cortamos" para dedicar ao sagrado. E por isso damos um pouco do nosso tempo para o divino (que existe para além do tempo), ao entrarmos em algum templo.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O plebiscito e a plebe

Afirma-se com frequência que a expressão "plebiscito popular" é um pleonasmo. Em parte. Todo plebiscito é popular por ser a manifestação da opinião do povo...


No entanto, a etimologia nos lembra que plebs, em latim, se referia a uma parcela do povo (populus). O povo também incluía a classe nobre da antiga Roma. De qualquer forma, é verdade que, por serem os plebeus em maior número, a palavra plebs acabava "engolindo" a noção de povo. No uso comum, ainda hoje a palavra "plebe" é associada à classe social mais baixa da população.

Plebiscito vem da conjunção de plebs e scitum ("decreto"). A consulta popular resulta num decreto popular. Na Idade Média, uma versão especificava que o plebiscito referia-se a algo que o "povo sabe", em latim: plebs scit.

sábado, 15 de junho de 2013

Viajando como sardinha em lata

Os ônibus, os trens e os metrôs vivem lotados, e os passageiros se sentem dentro deles como numa lata de sardinhas. Nessas condições, espremidas, as sardinhas não se queixam. Mas nós devemos, sim, sair do aperto e reclamar nas ruas, quando, além de tudo, aumentam o preço desse desconforto. E há outros motivos e apertos embutidos nos protestos!



A palavra sardinha está, à primeira vista, associada à ilha da Sardenha. O escritor francês Alexandre Dumas, por exemplo, não hesitava em afirmar que por ser abundante nos mares da Sardenha, este peixe recebeu daí o seu nome. Centenas de autores dizem o mesmo.

No entanto, há divergências a respeito. Havia no latim o termo sarda, que incluiria diferentes peixes, entre eles a sardinha.

terça-feira, 9 de abril de 2013

O tomate não tem preço

O tomate é contribuição da América pré-colombiana. A palavra vem do náuatle (idioma dos astecas) xitomatl, que significava "tomatl grande, inchado". Xitomatl e tomatl, na verdade, eram dois frutos diferentes. O segundo era pequeno e verde, e o primeiro, maior e de cor vermelha. Mas ambos entravam na categoria de tomatl ("fruta suculenta"), que incluía outros frutos.

Quando por aqui chegaram, no século XVI, os espanhóis chamaram os dois tipos com a mesma palavra tomate, difundindo o termo e o alimento pelo mundo afora. No início, porém, os europeus usavam o tomate mais para ornamentar seus jardins do que para incrementar seus pratos. Havia também botânicos e médicos que investigavam suas propriedades curativas.

Nos países de fala inglesa, a resistência ao tomate como item da culinária foi ainda maior. Até o século XIX dizia-se, nos Estados Unidos, que era venenoso. Talvez a prática de jogar tomates em artistas como forma de reprovação tenha nascido dessa crença equivocada. 

Devemos à Itália a redescoberta do tomate como alimento, novas formas de cultivá-lo, condicioná-lo, e seu retorno à América, quando grande número de imigrantes italianos veio para cá a partir do final do século XIX. Mas já o tomate ganhara entre eles outro nome, pomodoro, proveniente da expressão pomo d'amore, isto é, "fruta do amor", em virtude de supostas qualidades afrodisíacas.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Depois da cambalhota

A cambalhota tem um antes, um durante e um depois. Instabilidade, primeiro. No meio do processo, surpresa. De pé outra vez, novo modo de caminhar. O corpo realiza uma revolução: os pés por cima da cabeça para retomar o chão em renovado ímpeto.

"Cambalhota", escultura
em bronze de P. Koshland.
A palavra remete ao latim cambiare, "trocar", "alternar", "transformar". 
A cabeça troca de lugar com os pés, operando uma mudança de visão. Há registros do termo cambalhota em textos desde o século XVIII, mas cambalhotas sempre aconteceram e mudaram rumos pessoais e coletivos.

domingo, 10 de março de 2013

O papa e a fumaça

É muito provável que, nesta semana, conheçamos o novo sumo pontífice da Igreja católica. Os cardeais, reunidos, nos dirão quem será o sucessor de Bento XVI.

Os papéis da votação serão queimados e pela chaminé de quase dois metros instalada na Capela Sistina sairá, ou uma fumaça branca, quando o papa for escolhido, ou uma fumaça negra, em caso contrário.
Fumaça é vapor que exala de um corpo em chamas. Este sufixo -aça indica aumentativo. Trata-se, portanto, de um vapor que chama a atenção.

Remete ao latim fumus. Que, retrocedendo ao sânscrito, desvela um significado ligado à vida: dhumah traz a noção de vapor, mas também de respiração. (Quando faz muito frio, soltamos fumaça pela boca, não é?)

Em latim, fumarium era "chaminé". E onde há fumaça branca... há papa.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Entre meteoritos, asteroides e cometas

O céu manda recados: um meteorito ali... um asteroide passando por lá...

São considerados meteoros os fenômenos da atmosfera terrestre: vento, chuva, trovão, arco-íris, neve etc. Coisas para a meteorologia observar. Um meteorito é o fragmento de um meteoroide. Vemos aqui a presença do termo grego meteoros: "o elevado acima de nós".

Um asteroide é o que tem a forma (o sufixo "oide" vem do grego eidos) de uma estrela (em grego, aster).

E o que asteroides e meteoroides têm a ver com os cometas? Os cometas são corpos de fraca luminosidade que giram em torno do sol. Sua cauda luminosa parece uma cabeleira comprida, e é provocada pela radiação e pelos ventos solares. A palavra vem do grego cometes, "cabeludo".

Um asteroide pode ser, entre outras possibilidades, um cometa "cansado da vida", depois de ter esgotado seus componentes voláteis.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

As raízes do sofrimento

Dizia o escritor francês Léon Bloy que "sofrer passa, mas ter sofrido não passa jamais". Diante das tragédias que o teatro do mundo oferece, ou dos dramas que ocorrem na minha vida, na sua, na vida das pessoas mais próximas, sofrer passa... mas nunca nos libertamos totalmente do sofrimento.

Em que medida a etimologia nos ajuda a entender essa realidade universal no tempo e no espaço?

Supõe-se que existia no latim vulgar a expressão *sufferere, que derivou do latim clássico sufferre, formado de sub- ("sob", "embaixo") e ferre ("levar", "conduzir"). O sofredor sente a dor sobre si. A ideia de estar sob a cruz, levando-a, é imagem recorrente: cada um tem de carregar sua própria cruz.
Estar submetido ao sofrimento é sentir-se por baixo, empurrado para o chão. É nestas horas incertas que valorizamos a presença dos que nos amam, e não temem se colocar sob a mesma dor, para nos ajudar a caminhar.

Ter sofrido é não esquecer a tristeza e a dor, mesmo quando já se diluíram no passado. Porque ainda carregamos a lembrança da dor, podemos ser solidários com quem está sobrecarregado.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Fique quieto, bicho-carpinteiro!

Foi com surpresa que ouvi um intelectual brasileiro afirmar, em um popular programa de tv, que a frase "estar com bicho-carpinteiro" ou "ter bicho-carpinteiro" seria proveniente de uma outra: "estar com ou ter bicho no corpo inteiro".
A pessoa irrequieta, que não consegue ficar parada por muito tempo, teria algum bicho dentro de si. Que bicho seria esse, não se sabe. Talvez uma lombriga que deixaria a criança agitada, pulando para lá e para cá?

No entanto, a expressão correta é esta mesma: a pessoa tem bicho-carpinteiro. Este escaravelho, em seu estágio larvar, corrói troncos e cascas de árvores com incrível persistência. Esse comportamento faz lembrar alguém que não sossega.

Reinaldo Pimenta, no primeiro volume de A casa da Mãe Joana (Editora Campus), afirma que a pessoa agitada pareceria alguém que "estivesse sendo roída por dentro por esse inseto". Mas então as árvores ficariam agitadas se houvesse dentro delas algum bicho-carpinteiro. Não é o caso.

A palavra bicho veio do latim vulgar *bestiu, que se refere à bestia do latim clássico, isto é, "animal". E carpinteiro remete ao latim tardio carpentarius artifex, o fabricante de um veículo de duas rodas, puxado por cavalos, o carpentum, em geral para uso de mulheres.