quarta-feira, 30 de abril de 2014

Nas teias do Homem-Aranha

Um dos heróis do século passado que ganharam evidência cinematográfica nos últimos dez anos foi o Homem-Aranha. A palavra "aranha" remete ao latim aranea. Havia muita desconfiança contra o aracnídeo. Era considerado traiçoeiro. Erasmo de Rotterdam chegou a registrar esta frase: "Aranearum telas texere", referindo-se aos sofistas que tecem argumentos como a aranha tece a sua teia.

O ser fascinante que desenha no ar a sua teia-armadilha humanizou-se, tornou-se defensor dos fracos, lutando contra criminosos não menos bizarros. Em inglês, spider tem a ver com o verbo to spin, "fiar", "tecer". A frase "the spider spins skilfully" é uma redundância. Como se disséssemos em português: "o tecelão tece o tecido".

O Espetacular Homem-Aranha
O Homem-Aranha nasceu Spider-Man e envolveu o mundo moderno com sua teia: Uomo Ragno em italiano, Hombre Araña em língua espanhola, Homme Araignée em francês, Spinne em alemão e... Hämähäkkimies em finlandês (só não me perguntem como se pronuncia e qual é a origem dessa última!).

terça-feira, 22 de abril de 2014

O santo que matou o dragão

São Jorge, um dos santos mais venerados no mundo. O santo guerreiro tornou-se padroeiro de países como Inglaterra, Lituânia, Sérvia, Etiópia e de cidades como Londres, Barcelona, Gênova, Moscou e Beirute. Dia 23 de abril (em que se recorda o seu martírio) é feriado no Rio de Janeiro.

Não renegou a fé cristã durante a sangrenta perseguição ordenada pelo imperador Diocleciano no início do século IV. Foi torturado até a morte. Lutou corajosamente. Venceu o dragão da maldade. No candomblé, São Jorge é identificado com Ogum. Os devotos de Jorge e Ogum querem ser fortes e vitoriosos.

Para vencer o dragão é preciso saber quais são os seus poderes etimológicos. A palavra está associada ao latim draco, que se relaciona com o verbo grego derkomai, "ver". O dragão é aquele que consegue enxergar a sua presa a uma grande distância. Como ser demoníaco, está sempre de olho em possíveis vítimas. Para vencê-lo, portanto, temos de desenvolver a visão da fé. Com a ajuda de São Jorge, é claro!

domingo, 13 de abril de 2014

A cruz crucial

A impiedosa tortura e morte lenta de alguém pendurado numa estaca era prática conhecida desde o século VI a.C. entre povos asiáticos. Os romanos a aprenderam e adotaram. Escravos rebeldes, traidores e ladrões eram punidos assim. Jesus Cristo é o mais conhecido dentre os que padeceram o suplício da cruz. Até hoje, em alguns lugares do mundo como Arábia Saudita, Irã, Birmânia e Sudão, crucificar alguém é, na melhor das hipóteses, uma possibilidade prevista em lei.
A Crucifixão (detalhe),
de Matthias Grünewald (século XVI)
A palavra crux, em latim, não se referia estritamente à cruz como a visualizamos hoje (dois toros transversais) e que se tornou o símbolo maior do cristianismo.


Crux immissa ou cruz latina
Havia tipos diferentes de cruz. Uma primeira diferença existia entre a crux simplex e a crux compacta. No primeiro caso, tratava-se de um objeto vertical de madeira, uma viga, ou mesmo um tronco de árvore. O condenado era amarrado com cordas nessa cruz, ou nela empalado.

Já a crux compacta podia ser decussata (em forma de X), commissa (em forma de T) ou immissa (a chamada "cruz latina", cuja travessa fica acima da metade da haste). Esta, a immissa, é a que conhecemos como sendo a cruz em que Jesus (cordeiro pascal) foi pregado.

Especula-se que a palavra latina crux (passando pela forma colux) veio do termo grego σκόλοψ (skólops), que significava "estaca", "enxadão", "cruz" e outros tipos de objetos que pudessem provocar uma dor pungente.

segunda-feira, 31 de março de 2014

Golpe dói

Todo golpe dói. Golpe de esperteza (um ardil praticado por um golpista, como no conto do vigário ou no golpe do baú), golpe de luta, golpe de ar ou golpe militar. E de onde vem o golpe, mesmo que seja um golpe de mestre?

No latim vulgar, *colpus indicava um movimento de força, mais especificamente uma bofetada ou um murro no rosto, remetendo ao latim clássico colaphus, que proveio do grego kólaphos.

Em francês, temos a palavra coup, de mil e uma utilidades e desdobramentos. Além do coup d'État, "golpe de Estado" (tomada ilegal do poder governamental pela força), uma bofetada na democracia, temos, entre vários exemplos: coup de grâce ("golpe de misericórdia", ou "tiro de misericórdia", que consiste em dar um ponto final ao sofrimento de um moribundo), e a palavra coupon, o nosso "cupom", folha ou cartão que se pode destacar mediante um coup, isto é, um movimento que implica certa força.

terça-feira, 18 de março de 2014

Um olhar para a Ucrânia

A história da Ucrânia, especialmente nos últimos 100 anos, tem sido marcada por grande instabilidade política, invasões e chacinas, por indefinições, conflitos, crises econômicas, lutas terríveis. A liberdade do povo em constante perigo e muitas vezes suprimida. Lembremos que a família Lispector foge de lá para o Brasil (sorte nossa porque nos trouxe Clarice).

Terá o nome do país, do ponto de vista etimológico, algo a nos dizer a respeito dessa acidentada história?

Indo o mais longe possível, o nome Ucrânia vai nos levar à raiz indo-europeia *krei, que reporta à ideia de "cortar". A palavra grega krínein está em relação com essa raiz e significa "decidir". Toda decisão implica cisão, corte, rompimento. Aparentada, no latim, temos a palavra cernere ("discernir"): todo discernimento provoca definições e delimitações.
Bandeira da Ucrânia
O termo eslavo krajina (também "descendente" da raiz *krei) refere-se à fronteira de um país ou a uma região delimitada. Para que se defina uma região é preciso fazer um corte, definir que até aqui é tal coisa e que a partir daqui é outra coisa.

No antigo polonês, por volta do século XVI, Ukrajina referia-se a territórios que coincidem, em parte, com a atual Ucrânia. Mas foi somente no século XIX que os habitantes da região assumiram o nome oficialmente, não se referindo a um território delimitado em geral, mas ao seu país mesmo. De fato, em ucraniano moderno, країна (Україна é Ucrânia nesta língua) significa justamente isso: país. Indica justamente esse desejo: soberania.

sábado, 15 de março de 2014

Ansiedade em qualquer idade

Entre as doenças candidatas a definirem o perfil patológico do século XXI está a ansiedade. Livros com essa palavra tendem a ser ansiosamente comprados. Esperamos com ansiedade que nos digam, o mais rápido possível, o que fazer para não ficarmos ansiosos... Sentimos a ansiedade presente em toda parte e em gente de todas as idades.

Um piadista me dizia outro dia: "Se você não tem ansiedade provavelmente há algo de muito errado com a sua saúde!". Mas a palavra, tão frequente hoje, de hoje não é. O poeta latino Ovídio (43 a.C. - 17 ou 18 d.C.) conhecia a anxietas animi, a preocupação profunda e angustiante, que torna  a alma pesada... e a vida mais atrapalhada do que já é.

No latim, anxietas remete ao verbo angere: "apertar", "espremer". A ansiedade provoca um aperto interior. A mente se sente esprimida. O coração comprimido. Dores por dentro e por fora se multiplicam. E o motivo, em geral, tem a ver com as incertezas do futuro. Ficamos ansiosos quando antevemos e antecipamos os maiores problemas. Inclusive aqueles que são gerados pela própria ansiedade!

Remontando à raiz indo-europeia *angh-, vamos encontrar a origem das noções físicas e anímicas relacionadas a este cúmulo de sofrimentos. No latim, as angustiae são os desfiladeiros, que nos deixam nervosos só de imaginar... E as aflições morais estão na mesma categoria do mundo estreito e sufocante.

É por isso que o melhor mesmo é relaxar... No latim, relaxare indicava o ato de soltar, livrar alguém da dor.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Os garis estão chegando

Coletar e remover o lixo urbano sempre foi um sério problema. Quem quiser conhecer um pouco dessa história, leia o interessante livro do professor Emílio Maciel Eigenheer - Lixo: a limpeza urbana através dos tempos.

No Brasil do século XIX, o trabalho literalmente sujo era feito pelos escravos com menos status. Era comum ver "cabungueiros" (de kibungu, palavra do idioma quimbundo que significava "latrina") equilibrando sobre as cabeças, em tubos ou barris, o lixo das casas (incluindo excrementos). Sua tarefa era jogar esse lixo em lugares distantes. Todos os dias!

O problema do lixo se tornou especialmente grave no Rio de Janeiro daqueles tempos. À medida que a capital do império crescia, mais sujeira se produzia. As ruas, por exemplo, estavam empestadas com a quantidade imensa de estrume que os cavalos (meios de transporte público e privado da época) deixavam pelo caminho. A vida dos pedestres era uma... miséria! (Faça os cálculos: um cavalo produz cerca de 10 quilos de fezes por dia...)

Entre as tentativas de solução, o Ministério Imperial, em 1876, contratou a Alexis Gary Cia., empresa especializada em limpeza urbana. Seu dono, o francês Pierre Alexis Gary, levava varredores uniformizados pelas ruas cariocas para realizarem o ingrato mas indispensável serviço. A "turma do Gary" fez sucesso. Em pouco tempo, o povão começou a chamar os varredores de garis.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Carona não é cara

carona é uma forma barata e inteligente de contribuir para melhorar o trânsito caótico das grandes cidades.

A palavra procede da expressão espanhola a la carona, que por sua vez remete ao latim caro ("carne"). No meio do caminho, o genitivo carnis ganhou uma forma popular, caronis, e daí foi um pulo para a palavra carona.

A la carona se refere ao que está em contato com a carne. Dizia-se, por exemplo, que alguns santos vestiam roupas finas, mas a la carona (isto é, por debaixo dessas roupas, na sua pele) usavam o cilício como forma de penitência.

Andar de carona é, portanto, um corpo a corpo. Quem dá carona permite esse contato com outra pessoa, em nome da solidariedade e de um trânsito mais humano.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Em busca da sorte

O livro PALAVRAS E ORIGENS está sendo sorteado no próximo dia 20 de janeiro (veja as instruções abaixo). Aproveitando a deixa: de onde vem a palavra "sorte"?

O sortudo será escolhido por sorte, palavra que vem do latim sors. Este termo possuía vários significados. Um deles era "quinhão", "parte", isto é, aquela "parte" que já está reservada no futuro para cada pessoa. Daí que sors também significasse "herança".

O pequeno detalhe é que não temos certeza de que a sorte sorrirá para nós. A sorte pode ser madrasta, alguns loucos abusam da sorte, e há quem a jogue pela janela. O fato é que para tirar a sorte grande (ou pequena) precisamos arriscar e tentar até encontrá-la.


Instruções para participar do sorteio:

DaLíngua Portuguesa, em parceria com a SaraivaUni, sorteará um exemplar do livro Palavras e Origens, de Gabriel Perissé.

PARTICIPE!

1 - Curta a página DaLíngua Portuguesa no Facebook (https://www.facebook.com/dalinguaportuguesa?ref=hl);
2 - Curta a página SaraivaUni no Facebook (https://www.facebook.com/SaraivaUni?ref=ts&fref=ts);
3 - Compartilhe o post da promoção, em modo PÚBLICO, no mural;
4 - Acesse o Sorteie.me na página DaLíngua Portuguesa (https://www.sorteiefb.com.br/tab/promocao/296829) e clique em “Quero Participar”.

BOA SORTE!
Sorteio: 20/01/2014

Sobre a obra: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=644572148897050&set=a.446120652075535.104506.419022991451968&type=3&theater