domingo, 27 de dezembro de 2015

A gorjeta é antiética?

A etimologia não é disciplina da filosofia moral, mas pode lançar alguma luz sobre a questão.

A ideia da gorjeta é a de oferecer um "agrado" em forma de dinheiro para uma pessoa que prestou um serviço, e o fez de modo generoso. Quem a dá tem a intenção de manifestar gratidão e, em geral, fica com a expectativa de que numa próxima oportunidade o "agraciado" terá ainda maior disponibilidade para prestar aquele mesmo serviço.

A palavra se registrava em português no século XVIII na forma de "gurgeta", o que evidencia com mais clareza sua ligação com o latim gurges ("goela", "garganta") e seu parentesco, por exemplo, com "regurgitar" (ato de expelir algo pela garganta).

O sufixo -eta (que forma diminutivos) pode ter a ver com a quantidade daquela gratificação espontânea. A gorjeta é um valor pequeno que serviria apenas para "molhar" a garganta (ou a mão, que ficará mais ágil para fazer alguma coisa) de alguém (do garçom, do entregador de malas, do taxista, do manobrista, do engraxate etc.), "incentivando" um serviço "diferenciado", ou providenciando pequenos privilégios futuros.

Antes de se tornar uma quantia de dinheiro, a gorjeta era um copo d'água ou um gole de café ou de outra bebida, algo feito por generosidade, um gesto de humanidade. Por isso ainda usamos expressões como "cafezinho" ou "cervejinha" para indicar o suposto destino que aquele "dinheirinho" extra terá ou deveria ter. Em francês, gorjeta é pourboire (literalmente, "para beber"); em alemão, é Trinkgeld ("dinheiro ou troco para beber"); em espanhol, é propina (remetendo ao latim propinare, "dar de beber"). A palavra "propina" em nossa língua ganhou conotações negativas. Em italiano, gorjeta é mancia, em referência à manga da túnica que cobria a mão na hora de dar a "caixinha" discretamente, como se fosse uma ação meio vergonhosa.

O fato é que a cultura da gorjeta ganhou espaço e tradição em boa parte do mundo. Muitos já contam com essa "doação", que pode ser incorporada como algo normal (a taxa de serviço nos restaurantes), ajudando o profissional a reforçar o seu salário.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A raiz etimológica da árvore de Natal

A árvore é um dos símbolos mais ricos, em todos os tempos, nas mais diferentes culturas. A árvore de Natal, desde a Idade Média, no ocidente, possui as suas peculiaridades. Conta-se que São Bonifácio (680-754), evangelizador da Alemanha, derrubou um carvalho (a "árvore do trovão", dedicada aos deus Thor) com uma só machadada, o que lhe teria dado autoridade para escolher como árvore substituta o pinheiro, símbolo de Jesus Cristo.

A palavra tem sua raiz em arbor, que em latim significava não só a "árvore", entendida como vegetal com as maiores dimensões, mas também "objeto de madeira" (como um mastro ou um remo) e, por extensão, "navio".

A palavra tem alguns desdobramentos. Arbustum, em latim, significava "bosque" ou qualquer lugar onde houvesse um conjunto de árvores. "Arbusto", por sua vez, provém de arbuscula, isto é, "arvorezinha". Uma rua "arborizada" é uma rua cheia de árvores. O esporte radical canopy, que consiste em caminhar por entre as copas das árvores, começa a ser conhecido entre os falantes da língua portuguesa como "arborismo", um neologismo.

Voltando à árvore de Natal, seus enfeites possuem também outros tantos significados. As bolas coloridas representam os frutos da vinda de Cristo à terra. A estrela no topo da árvore indica o fenômeno celeste que guiou os reis magos. Há quem acrescente bengalinhas, que evocam o cajado dos peregrinos mas também o de Jesus, o Bom Pastor.

Quanto mais enfeitada e brilhante a árvore natalina estiver, mais saltará aos olhos, no plano simbólico (no plano que une as pessoas em torno de determinados significados), o nascimento de Jesus como acontecimento carregado de beleza e fertilidade. Aliás, os primeiros filósofos cristãos referiam-se a Cristo como arbor vitae, "árvore da vida". 


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Armas alarmantes

Quem fabrica armas tem em mãos um produto alarmante. E precisa que o mundo esteja sempre em estado de alerta e alarme. Para vender e lucrar.

A palavra "alarme" nasceu de uma antiga exclamação italiana "all' arme" (século XIV), isto é: "às armas!". A expressão foi substantivada e chegou até nós pela forma francesa alarme. Em português temos "alarma" e "alarme". No primeiro caso, a arma vai para o singular; no segundo, a presença armada, guardando ressonâncias do plural, fica menos visível.


Arma, por sua vez, provêm do latim armus, "braço" (lembrando que este é o significado de arm, em inglês, e Arm, em alemão). A arma é uma extensão potenciada do braço. O armário era originariamente o lugar em que se guardavam as armas.  

Não sejamos alarmistas, mas todo alarme é falso, se pensarmos nos resultados invariavelmente destrutivos.