Apresentação do livro

O homem, diziam unanimemente os antigos, é um ser que esquece. Sim, ele participa do espírito dos deuses, ele tem grandes insights sobre o mundo e sobre si mesmo, porém... a treva do nada (contraponto da luz criadora concedida pela divindade) cobra seu tributo: o esquecimento!

Nossas grandes iluminações, nossas grandes intuições, brilham por um momento na consciência, mas logo — na rotina do dia a dia — começam a cair no esquecimento (essa expressão é, aliás, pleonástica: “esquecer”, etimologicamente, é começar a cair). Não é que se aniquilem, confundem-se na massa informe dos cuidados cotidianos e saem do âmbito da consciência: precisamente o que se indica com o vocábulo “esquecer”.

Assim, as grandes leituras do interior da realidade tornam-se invisíveis: precisam ser resgatadas em meio ao montão de escombros que as soterram. Boa parte desse trabalho de salvação da inteligência (a tarefa da “inteligência” é intus-legere, ler dentro) liga-se à linguagem comum, à que falamos e ouvimos todos os dias. As palavras, muitas vezes, encerram em si muito mais do que o uso rotineiro que delas fazemos. Daí que João Guimarães Rosa tenha afirmado: “Toda língua são rastros de velho mistério”. O filósofo Martin Heidegger diz algo semelhante: “A língua é o poema original por meio do qual um povo diz o ser”.

Se nós, hoje, valemo-nos da linguagem de modo meramente funcional e opaco, para os antigos, a transparência da linguagem (na medida do possível) possui um grande valor pedagógico. As etimologias encontram aqui sua importância insubstituível. Não é casual que o primeiro banco de dados da História, uma monumental enciclopédia que durante séculos alimentou o pensamento da nascente Europa, tenha sido precisamente o Livro das Etimologias, de Isidoro de Sevilha, escrito em torno do ano 600. Nele, o hispalense afirma que sem a etimologia não se conhece a realidade e com ela mais rapidamente atinamos com a força expressiva das palavras: “Nisi enim nomen scieris, cognitio rerum perit” (Et. I, 7,1) e “Nam dum videris unde ortum est nomen, citius vim eis intellegis” (Et. I, 29,2).

O livro que o leitor tem em mãos traz-nos o brilho de mais de 400 cintilações de uma saborosa vivência da realidade pela palavra. Com mão de mestre, Gabriel Perissé nos conduz ao frescor da força viva com que a palavra surgiu (não por acaso “saber” e “sabor” se confundem etimologicamente) e nos lembra, por exemplo, que nostalgia não é o mesmo que saudade; saudade remete à soledade, à solidão de quem ficou, enquanto nostalgia se refere aos sentimentos de quem partiu...

A pesquisa realizada pelo autor não só nos ensina tais e tais etimologias (muito bem selecionadas, diga-se de passagem), mas principalmente educa, desperta no leitor a capacidade de ele mesmo começar a fazer, por toda parte, suas próprias des-cobertas. Aliás, “ensinar” é etimologicamente “sinalizar”.

Nossa gratidão ao Prof. Perissé por dar-nos este remédio dos deuses para a doença tipicamente humana: o esquecimento!

Jean Lauand

Prof. Titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP)